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CAVALHADA

A cavalhada é uma festa tradicional em algumas cidades do agreste alagoano, sendo realizada em diversas épocas do ano, principalmente nas festas de padroeiros. Consiste em uma corrida de cavalos com jogo de argolas. A equipe conseguiu acompanhar uma cavalhada na cidade do Igaci. Observou-se a participação da população durante toda a corrida, o lugar bem delimitado e organizado, essa festa acontece todos os anos no dia da festa da padroeira. Também podemos caracterizar a cavalhada como forma de expressão, visto que, possui uma linguagem especifica, vestimentas dos cavaleiros e os adornos dos cavalos todos nas cores azul e encarnados são característicos deste folguedo e retratam através das cores a história dos mouros e dos cristãos. Cabe ainda mencionar a categoria de lugar, pois segundo os organizadores existe um lugar próprio para a cavalhada, com tamanho delimitado e cobertura de solo apropriada. Em sua forma geral, a cavalhada é uma manifestação que procura reproduzir os torneios de cavaleiros realizados durante a Idade Média nos quais estes procuravam exibir suas habilidades com as lanças, bem como procura também reproduzir os combates entre os cavaleiros de Carlos Magno – cristãos – contra os Mouros – muçulmanos. São duas equipes formadas por doze cavaleiros. Esta quantidade procura reproduzir os barões fiéis a Carlos Magno, conhecidos como os Doze Pares de França. São, então, doze cavaleiros vestidos de azul que “combatem” pelos cristãos, por Carlos Magno, e doze encarnados, que combatem pelos mouros. O objetivo é retirar com a lança uma argolinha pendurada em uma corda esticada de um lado a outro da pista. A pista tem cerca de cem metros. Em uma ponta, o começo da pista, os cavaleiros se reúnem para partir a galope em direção à argolinha. Depois do ponto onde está pendurada a argolinha existe uma área de escape de cerca de trinta metros necessária para que o cavaleiro desacelere seu cavalo. A pista tem cerca de oito metros de largura. A cavalhada foi descrita por Théo Brandão nos Cadernos de Folclore número 24 de uma maneira pormenorizada desta festa, tendo desenhado plantas dos campos de cavalhada onde estão esboçados não só a estrutura necessária para que ela se desenvolva, bem como os esboços dos diferentes tipos de cavalhada: corrida de argolinha, corrida de parelhas. Este autor divide a vaquejada em quatro partes: a visita à igreja; a corrida, a escaramuça e a retirada. Os cavaleiros se reúnem em um local definido pelo organizador da cavalhada. De lá eles saem em fila dupla, azuis de um lado e encarnados do outro, seguindo a “Esquenta Mulher” uma banda de pífanos formada por pífanos, zabumba pandeiro e caixa que caminha na frente. Os cavalheiros “seguem devagar, passo a passo, para a porta da igreja” (BRANDÃO, SD, p. 21). Quando chegam até a igreja os cavaleiros param e a banda prossegue até bem próximo à porta do templo onde para. Por sua vez, todos os cavaleiros, os “mouros” inclusive, apeiam de seus cavalos e entram na igreja em . fila indiana dupla – azuis de um lado, encarnados do outro - seguem até o altar onde cada dupla se ajoelha, se persigna, reza pedindo proteção durante o evento e saem da igreja. Isto se repete até que a última dupla tenha realizado este ritual, quando todos se retiram, remontam seus cavalos (Todo este ritual foi observado e registrado pela equipe de campo na cidade de Igaci). No momento em que todas as duplas se encontram sobre suas montarias, a bnda recomeça a andar tocando a marcha da escaramuça e os cavaleiros a seguem passo a passo, lentamente, desfilando pelas ruas da cidade até o local onde a disputa ocorrerá. Chegando a este local, os cavaleiros, ainda montados, se dedicam à tarefa de prender a argolinha entre duas traves fixadas e cerca setenta metros do local de onde as duplas partirão no momento em que as provas começarem. Amarram a ponta de uma corda em uma trave e levam a outra ponta para a outra trave, esticando a corda em uma altura de cerca de um palmo acima da cabeça do cavaleiro montado. Com a corda esticada, eles prendem uma garra, na metade do comprimento desta corda, onde será presa e pendurada a argolinha que deverá ser retirada com a lança pelo cavaleiro a galope. Fixada a argolinha, todos os cavaleiros se reúnem ao final da pista de cavalhada esperando o início da competição. Quando o organizador da festa dá início à cavalhada os cavaleiros entram na pista pelo seu final, a área de escape, novamente em duas filas, encarnados de um lado e azuis do outro, e dirigem-se lentamente ao local onde a pista se inicia. A “Esquenta Mulher” executa um toque lento até que todos os cavaleiros estejam posicionados. A cavalhada presenciada em Igaci reproduz até este momento, com pequenas variações, o descrito por Théo Brandão. Os cavaleiros vestem um gorro feito de cetim da mesma cor da camisa de botões utilizada feita com o mesmo tecido, e calça branca (azuis com gorros azuis e blusa azul, vermelhos com gorro vermelho e camisa vermelha). Os cavalos são ornamentados com uma fita da cor da equipe de seu cavaleiro presa ao longo de seu cabresto. Em Igaci, a cavalhada é realizada na Praça da Estação, no último dia da festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Saúde, no último domingo de fevereiro. Após se reunirem no início da pista, os cavaleiros esperaram que o locutor apresentasse as autoridades presentes, os organizadores e os “patrocinadores” da cavalhada para, em seguida, anunciar as “voltas de apresentação”, momento em que os cavaleiros têm seus nomes anunciados ao público presente pelo locutor da festa. Nesta apresentação, os cavaleiros partiram em duplas de mãos dadas, um azul outro encarnado, em carreira até o final da pista. Ao passarem pelo local onde a argolinha estava suspensa largaram as mãos e iniciaram a redução da velocidade do cavalo. A dupla de cavaleiros esperou no final da pista, fora desta, até que todas as duplas tivessem sido apresentadas quando, então, retornaram, por dentro da pista, até o local de início da corrida. Dá-se início, então,, à disputa entre as equipes. Nesta etapa, todos os cavaleiros ficaram reunidos no final da fila. Um ajudante segura as lanças e entrega uma para o cavaleiro. Em Igaci, a disputa começou com um cavaleiro encarnado, seguido por um azul e assim sucessivamente até que todos os pares se apresentam. Cada cavaleiro se aproxima do ajudante com as lanças, pegauma se posiciona para a corrida e instiga sua montaria. O animal parte em velocidade e todos os cavaleiros, cada um na sua vez, repetem estes mesmos gestos: segura a lança com a mão boa (se for destro, com a direita, se for canhoto, com a esquerda), ergue-a sobre sua cabeça colocando-a paralela ao chão, movimenta-a cerca de noventa graus até deixá-la paralela as suas costas, volta-a para a posição inicial (paralela ao chão), e, descendo o braço até ele formar um ângulo de cerca de 180 graus com o ombro, lança apontada para cima dirige-se velozmente para retirar a argolinha de sua posição com a ponta da lança. Cada cavaleiro repete, um após o outro, azuis e encarnados intercalados, esta corrida seis vezes. Quando o cavaleiro consegue tirar a argolinha, é aplaudido pelo locutor e pela plateia e a banda de pífanos executa um toque para festejar o feito.; quando fracassa, o locutor o desdenha. No momento em que o cavaleiro inicia sua corrida, a banda de pífano inicia um toque de suspense crescente que termina no momento em que ele passa pela argolinha. Em cada uma das seis corridas o cavaleiro pode somar de zero a seis pontos. No final da cavalhada, somam-se os pontos de todos os cavalheiros. A equipe cujos cavaleiros somaram mais pontos é a vencedora. Segundo Rodolfo Soares dos Santos, “a cavalhada [em Igaci] foi perdendo a sua cultura e quando começou tinha a prova do lenço, que eu vou tentar resgatar isso ai, tem a prova do tipo o canivete, a corrida do punhal e também só eram doze cavalheiros e hoje a gente tem dezesseis cavalheiros” (entrevista dada à equipe). “A prova do lenço era, os cavalheiros corriam em dupla com o lenço na boca até passar a argola, que era o jurado, o uniforme dos cavalheiros, dos cavalos, a postura, tudo.” Na corrida do punhal, “O punhal na verdade, o punhal era, um cavalheiro do lado do outro colocava o punhal e o outro fazia também formando um “X”, em dupla pareado.” Ainda segundo Rodolfo, organizador da cavalhada em Igaci, “na cavalhada de hoje, só a forma de fazer a lança e a argola, mais antes como eu tinha falado anteriormente, cavalo, a forma de se vestir, o punhal, o lenço, tudo isso ai, que a gente vai tentar resgatar nas próximas carreiras.” Durante as entrevistas uma senhora relata os detalhes das cavalhadas de sua época mais jovem, afirmando as mudanças que ocorreram com o passar dos anos nas cavalhadas da região. “A cavalhada antigamente né, que eu lembro era assim, mais organizada, era aqueles senhores que tinham muita responsabilidade, os cavalos tudo uma coisa bela, tudo arrumadinho, suas selas, quer dizer assim, o enxoval do animal era todo arrumado, da rédea, do estrivo, da sela que era aquele cuxim muito bonito sabe, a arrumação dos cavalheiros era muito bonita, todos de uma cor só a blusa, vermelha não mudava uma cor só, o azul era todo azul de uma cor só, entendeu.” (RITA SOARES, em entrevista). “As meninas era vestida todas elas de branco, bem arrumadas bonitas, mais ai a que era o vermelho ela tinha uma parte vermelha naquela roupa, entendeu, uma facha, a roupa era assim, um lado branco e o outro vermelho, por causa da calça dos homens que era branca e a outra do azul era um lado azul e a roupa branquinha. Elas se ofereciam entendeu, porque procuravam e chamavam mais atenção pro pessoal, muita gente e aplaudiam né, que o partido que ganhasse era uma beleza, a moça ficava tão ancha, o cavalo muito bonito, que eles arrumavam o cavalo mais bonito pra elas duas. Rainhas e os cavalheiros atrás. Quando eles tiravam uma argola ai, ia lá na rainha dava um beijo ai elas iam com eles, elas acompanhavam eles até lá naquela corda que coloca a argola(...),ai eles terminavam, aquela festa toda, no final toda vida tive um banquetezinho pra eles, uma recepção pra eles comer.” (RITA SOARES, em entrevista). E prossegue: “É, porque a cavalhada mesmo, tradicional né?! Era aquela cavalhada cultural como tinha antigamente (...).hoje não existe mais. hoje o que existe aqui que o povo continua chamando de cavalhada é corrida de argolinha, que o cidadão monta num cavalo com uma lança de madeira na mão, ponte aguda e fica lá uma argolinha de baixo de uma corda e o cavaleiro corre daqui e vai lá, quem tirar mais argola é o cavaleiro vencedor né?! Não é mais assim uma cavalhada como existia antigamente que era uma cultura como um pastoril”. (Isaac Antônio de Macêdo, em entrevista) O público é variado, pessoas de todas as idades, da cidade e do campo, participam com aplausos o vaias durante toda a corrida. A cavalhada faz parte da história e da tradição desses municípios, as pessoas chegam a se emocionar descrevendo as festas de cavalhadas de suas épocas, que mesmo tendo perdido algumas de suas características as pessoas não deixam de apreciar e participar da cavalhada nos dias atuais. No fim da festa os participantes se reúnem e vão comemorar a vitória. A cavalhada pode ser observada hoje com diferentes variações. Além da cavalhada observa-se a corrida de argolinha que é realizada com mais frequência em pistas nas fazendas. Nesta, as disputas são individuais, não são formadas equipes e são distribuídos prêmios como, por exemplo, animais. Podem ser realizadas também só por lazer sem que sejam distribuídos prêmios. Outra variação é a moto argola onde o cavalo é substituído por motocicletas. Cada motociclista tenta tirar, cada um a seu turno, a argolinha com uma pequena lança de cerca de trinta centímetros. A motocicleta é conduzida a uma velocidade em torno de 30 km/h. A moto argola é uma variação mais próxima da corrida de argolinha. Segundo depoimento, “eles colocam dois paus e no meio uma linha, só que na linha eles penduram uma, uma argolinha, do tamanho de um anel mais ou menos, ai eles aceleram, a velocidade da moto tem que ir em vinte, pra acertareles colocam dois paus e no meio uma linha, só que na linha eles penduram uma, uma argolinha, do tamanho de uma anel mais ou menos, ai eles aceleram, a velocidade da moto tem que ir em vinte, pra acertar (...)Ai quanto mais acertar, eles, eles pagam por vezes né, tipo ele paga a inscrição pra passar cinco vezes, se das cinco vezes ele conseguir, vão acumulando os pontos, ai aqueles que vão pra final, depois disputa de dois e dois, de três e três (...)você paga a inscrição, individual, vai eu e você: você paga a sua e eu pago a minha, se eu conseguir acertar as cinco vezes eu fico pra final, se você só conseguir acertar três, quatro, ai você vai ficando, é bem interessante”. (Maria da Conceição Santos - Nininha, em entrevista). Ambos formatos, a corrida de argolinha e a moto argola, foram mencionados por informantes, mas a equipe não presenciou nenhuma desta atividades. Corrida de agolinha e moto argola caracterizam-se como uma atividade que demanda menos oraganização e emnos custo do que a cavalhada. Não são necessários vestimentas especiais, por exemplo. Nelas não ocorrem também a simbologia da luta entre mouros e cristãos. Podem significar também o enfraquecimento dos laços de trabalho/compadrio com os grandes proprietários de terras.

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