top of page

PEGA DE BOI

A fim de apreender e caracterizar a Pega de Boi no Mato de forma mais abrangente, viu-se necessário identificar este bem em três tipos: Caracteriza-se como Festas e Celebrações principalmente nos eventos que são realizados de forma mais organizada, possuindo data anual, premiações e outras atrações além da própria pega de boi. Nestas atividades ficam evidenciadas como um evento de celebração. O segundo e terceiro tipo identificado são as formas de expressão e ofício e modo de fazer, focando nos modos de fazer. Forma de expressão porque exprime a cultura do vaqueiro, onde suas habilidades, sua vestimenta e seus valores são evidenciados. Pode ser também identificada como modo de fazer porque pressupões etapas específicas que devem ser seguidas pela orgonizadores e pelos participantes. Foi observado que a prática da Pega de boi remonta à época em que esta prática era realizada pelos vaqueiros em sua rotina de trabalho, mas atualmente essa atividade ocorre de forma que, além de celebração, é a expressão de uma identidade, um resgate. E para a realização dessa atividade, apesar das variações existentes, existe um modo de fazer característico que identifica a prática e os praticantes. Como observado acima, A Pega de Boi no mato traz referências de antigas práticas do ofício de vaqueiro, durante as andanças foram encontradas algumas versões de supostas origens deste bem. A primeira delas é explicada por Alvanir Barbosa, um criador de cavalos e patrocinador de vaquejadas: “A vaquejada aconteceu o seguinte, a muitos anos atrás é uma coisa muito interessante, entendeu? Porque é [...], porque o pessoal tinha as propriedades, mas não tinha cerca para dividir, fazer as divisórias dos terrenos. Que é que acontece? Ai criava as vacas e não tinha costume de tirar o leite [...], mas ficavam olhando os animais. Então, quando os bezerros estava grande eles queria apartar, apartar quer dizer tirar, desmamar [...]. Mas, pra colocar nos currais se juntavam vários fazendeiros e se reunia, pegava os cavalos, se vestia de couro [...]. Desse meio encontro, algumas vezes saltava do curral fugia e corria pra mata, né? E lá eles tinha que pegar [...] esse boi, no caso bezerro. E o que é que acontece se reunia, para pegar aquele reis mais brabo e matava ali um carneiro, fazia um churrasco e colocava as pessoas amontada a cavalo pra ir buscar essa reis de dentro do mato para o curral. E nisso passava o dia todinho, quando terminava já era uma comemoração que eles fazia e tinha bebida [...], por ai começou a vaquejada de pega de boi no mato. Ai depois de algum tempo, já fizeram como esporte. Pegar a reis, solta de pé de pau de jiqui e os vaqueiros tudo amontado a cavalo e corria atrás, que hoje já corre, pra vê quem pega eles, quem pegar tem uma premiação. Esse ai é uma primeira modalidade que existiu no sertão do nordeste, depois dessa modalidade aconteceu a, a, de parque de vaquejada que o pessoal chama de mourão. Pista de vaquejada, já é outra modalidade [...].” (Alvanir Barbosa em entrevista). Há ainda outras versões de como teria se originado essa prática “Os mais antigos contam que antigamente nos anos 30, 40 é, o pessoal pagava impostos ao governo os fazendeiros principalmente era em bois, não era em dinheiro não era em moeda, era em bois e aqui tudo era mato, não essas divisas com cerca, tal, e o gado era na solta e o gado era selvagem, não via o povo e ai quando era tempo de pagar imposto o governo os fazendeiros contratavam os pião pra pegar esse gado que era pra ser dado o governo (...)Pra justificar como começou a questão da pega de boi né. Começou assim, era um serviço, ai resultado, depois começaram a fazer por farra, ai começaram a reunir os amigos, pra soltar um boi no mato pra corre atrás por farra, depois ficou um esporte que ele chega e tem uma premiação, um borrego tal, ai depois disso ai surgiu as festas de apartação né”. (Aparecido Moraes da Costa, em entrevista) “ (...)Mais a origem exatamente foi essa as pessoas, as fazendas não tinham cerca o gado se misturava então quando era pra ferrar o gado ou pra pegar cada um o que é seu, enfim, ai tinha essa famosa pega de boi no mato que veio depois a ser uma grande festa que o Junior acabou de falar ai você segue com a festa de apartação”. (Rosivaldo Cajé de Madeiro, em entrevista). Hoje a Pega de Boi surge como uma forma de entretenimento. Variando de acordo com a localidade, essa atividade pode ocorrer com data marcada, inscrições, premiações, bandas etc. como pode também acontecer de forma mais espontânea, com a reunião de alguns vaqueiros num fim de semana. Não existe apenas uma forma de se realizar a pega de boi, embora haja elementos comuns a esta atividade, independente da localidade e da organização do evento, como a região onde acontece a pega de boi que deve ser sempre em área de caatinga mais densa, e o traje usado pelo vaqueiro e algumas peças usadas no cavalo. Para o vaqueiro tem-se bota, calça, terno (gibão) e chapéu, tudo em couro. O cavalo recebe também um peitoral e uma proteção para os olhos. A pega de boi consiste, de forma geral, em soltar um ou mais bois dentro de uma área de caatinga fechada para que os vaqueiros possam fazer a captura dos mesmos. Em algumas cidades, como em Jaramataia, assim que o boi é solto e corre para a mata, um grupo de vaqueiros saem em busca de sua captura, tendo como prêmio final, muitas vezes o próprio animal capturado, como explica Alvanir Barbosa: “A pega da [...], essa modalidade de pega de boi no mato, solta a reis e ele sai correndo, solta o boi [...]. Ai sai dois, três vaqueiros, até quatro, depende. Sai correndo um atrás do outro, o boi na frente [...] e os seus vaqueiros em seus cavalos, tudo com terno de couro, chapéu de couro, bota de couro, é, enfrentando espinho, mandacaru, galhas de chique-chique e quando eles conseguem vencer o boi pelo cansaço, entendeu? Ai pega na cauda do boi, mas muitas vezes não conseguem derrubar, mas eles salta do cavalo e se segura com o boi, ai pega o boi coloca a corda no pescoço e tem um material que eles chamam de pea, coloca as pea nas mão. Quando consegue trazer para o curral, trás. Se não vai lá e tem aquela pessoa que é o fiscal, entendeu? Vai lá e olha se a reis tá pega e pode soltar que o prêmio tá ganho.” (Alvanir Barbosa em entrevista). Há também casos onde a reis ou o gado é solto na noite do dia anterior e só na manhã do dia seguinte os vaqueiros saem em sua busca. As premiações, quando existem, também variam, podendo ser motos em eventos maiores ou o próprio animal capturado. Muitas vezes são atribuídas pontuações ou níveis de dificuldade aos animais como explica José Solto Rosa: “(...)os animais eles são numerados e cada um tem o seu valor, sabe? Cada um tem o seu valor, porque tem aquelas que são mais fáceis outros mais difíceis, tem um prêmio, um prêmio não, tem uns pontos mais altos, sabe? Ai quem fizer, quem pegar o animal que valha maior ponto, então esse é quem é premiado, eles dão muitos prêmios, sabe? Num é só um prêmio não, são muitos”. (José Solto Rosa, em entrevista). A pega de boi no mato é uma prática que carrega muitos perigos, tanto para os animais como para os vaqueiros, a entrada na caatinga mais densa pode levar a sérias escoriações devido a espinhos da vegetação. Não é incomum neste meio ouvir histórias de pessoas ou de animais que perderam parte da visão durante a Pega de boi devido à perfurações causadas por galhos e espinhos. Este é um fato que talvez explique porque essa prática, diferente da Vaquejada (Corrida de Mourão) não toma uma viés mais profissional com característica de megaevento, porque a entrada de reses e vaqueiros na mata fechada impede que o público presente acompanhe a parte primordial desta atividade o que impediria a venda de ingressos Segundo Aparecido Morais: “a diferença é que a pega de boi é no mato, os vaqueiro encorado, entendeu? Então você precisa de um poder menor aquisitivo, qualquer um tendo um cavalinho pangaré, você pode praticar (...)É uma roupa específica toda de couro tem o peitoral que bota no cavalo, o peitoral pra o cidadão que ta correndo, pro vaqueiro, gibão e chapéu de couro, isso pa pega de boi no mato (...)”.(Aparecido Moraes da Costa, em entrevista) Ainda influenciada pela falta de recursos e aproximação afetiva com outras práticas, a pega de boi no mato foi mantida como forma de conservação identitária e sentimento de pertencimento ao lugar, quando remonta práticas não mais vigentes. É perceptível na fala de muitos praticantes e admiradores da Pega de Boi que esta prática não gera grandes vantagens financeiras para quem pratica, além do perigo oferecido. “É porque quem veve nessa vida que a gente veve de vaquejada de boi no mato é um esporte, o ganho é nada. A gente vai por tradição, esporte, porque gosta, mas o lucro é nada, quase nada. O prêmio que a gente ganha sempre em todas as festas é o que carneiro, bezerros, essas coisas, só não tem prêmio extra grande não.” (ALEX DOS SANTOS LIMA - ALEMÃO, em entrevista) Mas é um entretenimento que afirma o vaqueiro enquanto tal, “autentica” seu ofício e resgata os valores de seus ancestrais. Deste modo, a prática vem se mantendo viva, e ganhando adeptos, inclusive dos jovens em algumas regiões. “O que eu fico impressionado é que hoje a juventude, aqui tem uma juventude grande que “tá”... aderiu a essa movimento que era coisa de meu pai e de outras pessoas e hoje os jovens(...)”.(José Solto Rosa, em entrevista) A pega de boi no mato, como já observado no texto, tem influências em antigas práticas dos vaqueiros da região, e possui uma aproximação grande com práticas rotineiras do ofício de vaqueiro, principalmente no que se refere ao trato com os animais. Neste sentido, observa-se que a pega de boi traz consigo uma cultura já enraizada na região de mau trato ao animal, principalmente o gado. Esses maus-tratos que são absorvidos pelos praticantes da pega de boi somam-se aos perigos específicos desta prática para o homem e o animal, que pode ter seu rabo arrancado numa queda, quebrar os cornos e mesmo ter um membro fraturado. Fraturas, arranhões e perfurações são comuns entre os vaqueiros praticantes dessa atividade. A captura do animal ou a corrida na caatinga pode causar perfurações e cortes nos animais, com relatos, por exemplo, de cavalos que são sacrificados após perderem a visão durante a pega de boi. Em função dessas questões que passam por uma problematização do campo da ética ou do direito relativo aos animais, é de posicionamento desse Grupo de Pesquisa não deixar de considerar que tais aspectos podem ser desqualificadores dessa prática, considerando que ao colocar o respeito a diversidade cultural acima da vida ou do respeito ao outro, corremos o risco de alienar a prática de suas consequencias diretas, ou indiretas, considerando que o mesmo ethos, por exemplo, dos povos Tuareg ou de certas tribos que preservam estruturas de monarquias na África e na Ásia, paralelamente a tantos aspectos culturais, é o mesmo que ignora direitos básicos, que dizem respeito ao corpo da mulher ou a garantia de um julgamento justo a um acusado. Assim não nos colocamos de forma incondicional ao lado do que se apresenta mais frágil porque este também pode, na condição de algoz, produzir suas víitmas específicas.

marca2.png
bottom of page