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VAQUEJADA

A vaquejada de mourão pode ser qualificada como festas e celebrações e ofício. Como festas e celebrações sua principal característica é a mobilização que o evento proporciona, reunindo vaqueiros de todos os municípios em momentos de lazer e descontração, muitas associadas às festas do padroeiro ou de emancipação da cidade. Onde o objetivo é mostrar as habilidades dos vaqueiros e os animas mais exuberantes. De acordo com o ABC das Alagoas, TOMO II (BARROS, 2005, p. 652) “[a vaquejada] surge da atividade do vaqueiro nordestino ao apanhar o gado solto nas caatingas. É um torneio praticado por fazendeiros que, por vezes, se fazem acompanhar por seus vaqueiros. Ocorre sempre ao final da semana, tendo-se feito previamente a inscrição das duplas concorrentes. Os vaqueiros tentam derrubar pela cauda rês que corre pela pista. O locutor de voz vibrante, exalta as famílias e as façanhas dos corredores, animando o espetáculo. Os prêmios são entregues aos vencedores no último dia do torneio, sempre em meio a concorrido baile.” Como ofício e modo de fazer a vaquejada de mourão se destaca pelo fato de congregar todo um conhecimento técnico/prático próprio a esta atividade com por exemplo: a criação e o treinamento de cavalos para vaquejada. Durante nossas andanças, encontramos diversos criadores de cavalos da raça Quarto de Milha - uma raça originária dos EUA – para participarem de vaquejada. Os cavalos desta raça caracterizam-se pela força e por possuir uma arrancada muito forte que lhe permite ganhar velocidade rapidamente, fundamental para alcançar o boi em uma pista de vaquejada com cerca de 10 metros. Há também a escolha de bovinos mais velozes e fortes que consigam estabelecer alguma resistência à dupla de vaqueiros, tornando o espetáculo mais atraente. É preciso, também, construir pistas e parques de vaquejada que ofereçam um mínimo de estrutura para vaqueiros, sua equipe de apoio e o público assistente. No que tange ao vaqueiro que disputa a vaquejada, já é possível encontrar uma grande maioria de vaqueiros profissionais que só participam de vaquejadas e ganham seu sustento participando de equipes formadas pelos criadores de cavalo. Este tipo de vaquejada atrai a atenção de diferentes classes sociais: os criadores de Quarto de Milha, organizadores de cavalhada e donos de equipes são pessoas de classe média alta, geralmente políticos e empresários locais; o público é formado por pessoas de classe média baixa. Esta modalidade vem ganhando espaço nos municípios da região da Bacia Leiteira, porque além de ser uma festividade proporciona lucros altíssimos para os investidores. A vaquejada de mourão é disputada em uma estrutura própria. Vimos algumas delas em Jaramataia, no antigo matadouro da cidade, na entrada da cidade de Palestina, em Arapiraca, às margens da estrada que leva até Igaci, e em Campo Grande, na fazenda de Arnaldo Higino, ex-prefeito da cidade. Estas estruturas são formadas por uma pista de cerca de cento e vinte metros de comprimento por uns oito metros de largura. Esta pista é cercada por uma cerca. A pista inicia-se no local de onde saem os bois. Ao lado da porteira de onde saem os animais colocam-se dois vaqueiros: o “batedor de esteira” ou “esteira” e o “puxador”. A função do primeiro é utilizar seu cavalo para se aproximar do boi, pegá-lo pelo rabo e entregar este rabo para o puxador. Ele tange o boi para perto do “puxador”. Ao receber o rabo do boi entregue pelo “esteira”, o “puxador” deve segurá-lo firme e derrubar o animal dentro de um espaço apropriado para isto. Este espaço é demarcado por duas faixas. A primeira localizada a cem metros do local de onde saiu o boi e a segunda dez metros depois. Isto significa que o “puxador” deve derrubar o boi dentro deste espaço de dez metros para que a corrida seja computada como válida. Quando o animal é derrubado a dupla de vaqueiros se dirige até o final da pista reduzindo bruscamente a velocidade de suas montarias para não se chocar com a cerca que determina o final da pista. Esta descrição foi destacada também nas entrevistas, de acordo com Alvanir Barbosa: “Tem um curral, grande, um ou dois currais grande e tem um tronco onde os bois, coloca o boi ali dentro e prende pra não sair. E é o seguinte, a gente faz um muro na largura mais ou menos de onze metros de saída e tem o que, dentro dessa saída do boi até a primeira faixa onde vai jogar o boi são 100 metros, entendeu? Só que lá na frente à pista começa estreita e vai enlarguecendo, pode deixar quatro metros que é de largura de uma cerca para outra. Ai o que acontece? Ai na hora que solta o boi são dois vaqueiros. Um puxando, coloca a luva na mão e o outro para bater esteira, só pode entrar na pista de vaquejada, naquela arena ali, só dois vaqueiros um pra puxar e outro pra batisteira.” (Alvanir Barbosa em entrevista). “A função do esteira é só trabalhar o boi, então da saída da porteira do jequi, conta 10 metros e coloca uma faixa que chama: faixa de tolerância. Que ali você pode trabalhar o boi ali dentro para colocar o boi na posição certa, se o vaqueiro puxa de direita, o esteira vai ter que colocar o boi no sentindo da cerca do lado direito. Porque lá na frente, vai ter como o vaqueiro que vai puxar o cavalo abrir e ter espaço pra ele derrubar o boi. Então a função do esteira é trabalhar o boi ali dentro e colocar na posição certa e pegar na cauda do boi e entregar para o puxador; e sair com ele ali entre um cavalo e outro, bem justinho [...], interessante que os cavalos tem que ser muito manso, não pode avançar e nem recuar tem que ser naquela medida certa [...] a medida que o boi vai correndo, se for numa velocidade alta os cavalos também e se diminuir a velocidade o cavalos diminui e a entrega para o puxado e o puxador vai fazer sua parte. Já no caso do puxador, ele vai fazer o que, ele não vai se [...] preocupar tanto em pegar na cauda do boi. Porque isso é até o esteira que vai pegar a cauda do boi e passar pra ele, ele vai se preocupando em colocar o cavalo dele na posição certa, jogando esse cavalo para cima do boi e se for de direita encostando nele esse boi, para cima da cerca direita . Ai fica o cavalo do puxador, o boi no meio e o esteira [...]. Isso são 100 metros da saída até a primeira faixa do julgamento. Ai, entre uma faixa e outra são 100 metros o vaqueiro [...], ai o boi tem que cair entre uma faixa e outra.” (Alvanir Barbosa em entrevista). Na vaquejada existe um árbitro responsável por avaliar se o “puxador” derrubou o animal dentro do espaço delimitado. Durante a entrevista Arnaldo Higino explica que, “a comissão é que decide se derrubar um boi errado, ai é filmado e vê se valeu, senão valeu.” (ARNALDO HIGINO, em entrevista). Arnaldo explica: “existe uma faixa de 10 m, se dentro daquela faixa queimar qualquer um dentro daquela faixa o boi não vale. Ai tem uma dúvida, ai ta filmado e provado que não valeu, porque queimou a faixa. ” (ARNALDO HIGINO, em entrevista) O cavalo de vaquejada deve ser bem treinado, por isso que toda equipe de vaquejada deve ter seu domador e vaqueiro. E para ter bons resultados nas competições é necessário, além de uma boa equipe, bons animais. Ou seja, os cavalos que competem devem ser puro sangue para desempenham um rendimento compensatório. A vaquejada movimenta muito dinheiro e é disputada por equipes profissionais que possuem um proprietário que é o criador dos cavalos. Uma equipe mínima possui um proprietário, um treinador dos cavalos, pelo menos, um vaqueiro contratado e cavalariços responsáveis por alimentar, escovar, lavar, selar os animais, deixando-os aptos para participar das disputas. Um bom vaqueiro e um bom treinador de animais pode ganhar mais de 10 mil reais de salário mensal. Um parque de vaquejada reconhecido como local onde são promovidas boas disputas atrai vaqueiros de várias partes do Brasil. Em Campo Grande, Alagoas, existe um parque de propriedade de Arnaldo Higino que realiza vaquejada durante quatro dias ininterruptos (vinte quatro horas por dia) durante os festejos de São José, no dia 20 de março. Ela começa na quinta-feira e termina no domingo. Segundo nosso informante, na vaquejada disputada em março de 2016, uma semana antes do evento já haviam cerca de um mil e duzentos vaqueiros de todo o Brasil inscritos, pagando uma taxa de inscrição de mil reais. Isto assegurou para o organizador da vaquejada, o dono do parque, cerca de um milhão de duzentos mil reais só com as inscrições. Este parque de vaquejada é formado por um estrutura surpreendente. Ao entrar no local existe um grande estacionamento. Ao lado direito um grande cercado da entrada, um grande cercado delimitava o estacionamento. Ao lado esquerdo, uma área cercada por um muro de cerca de cinco metros de altura no localizam-se aberturas para a venda de ingressos, delimita a área de shows, local onde, durante os dias da vaquejada, bandas de forró e outros ritmos se apresentam. Para ter acesso ao show de música o frequentador paga um ingresso. Ao lado direito da entrada, por trás do cercado do estacionamento, localiza-se da pista da vaquejada formada pelas seguintes estruturas: o local de onde saem os bois; a pista de vaquejada; uma arquibancada de concreto armado para cerca de duas mil pessoas (ao lado direito da pista); uma estrutura mais alta, uma espécie de pequeno palanque, localizada junto à faixa que demarca o início do local onde o boi deve ser derrubado. Neste local, nos dias da vaquejada, é instalada uma câmera cuja função é auxiliar o árbitro em suas decisões. Ao lado esquerdo da pista vê-se um corredor por onde passam os bois que irão participar da corrida. Ao fundo uma torre no qual o árbitro (um por período de tempo específico) fica instalado. Ao fundo da pista está uma saída por onde vaqueiros e o boi que participou da corrida saem após suas apresentações. Sob a arquibancada são montadas barraquinhas para a venda de alimentos e bebidas, além de uma estrutura permanente, uma pequena sala, onde fica a equipe responsável pelas inscrições dos vaqueiros. Do lado de fora desta estrutura, ao fundo de toda esta enorme estrutura localizam-se as cavalariças onde as montarias repousam e são alimentadas. Quando é frita a troca de boiada os bois ficam soltos no cercado da fazendo e o boi que correu já não volta mais pra correr. Hoje em dia é possível ver mulheres que participam dessas corridas. Joyce Kenya é uma jovem vaqueira de 19 anos de idade, corre na pista de mourão e nos explicou um pouco a relação da mulher com a prática. Ela começou a correr há dois anos, ou seja, com 17 anos de idade, com o incentivo da sua família e hoje sua profissão é vaqueira do parque Divina Luz de Arapiraca/ AL. Nesta modalidade as mulheres competem entre si, mas sempre tem homens fazendo o papel do esteira. Existe uma associação a ABRABA, das vaqueiras do Estado e graças a essa associação as mulheres competem muito dentro e fora do Estado, com o ritmo de dois em dois meses competirem em um Estado diferente. Em algumas cidades este folguedo é citado na bibliografia, porém durante as andanças da pesquisa não foram registrados, nem citados durantes as entrevistas pelas pessoas da cidade, possivelmente por não terem entrevistado pessoas ligadas diretamente a este bem, ou mesmo por falta de tempo, por isso não foi possível descrever suas características mais específicas nestes lugares. 3. É tácito, indiscutível que esse tipo de prática é, se não a mais, uma das mais perversas no trato dos animais. Segundo, Thomas de Carvalho Silva, no artigo, “A prática da Vaquejada à luz da Constituição Federal”, a prática pode ser enquadrada no Âmbito da ilegalidade ao ferir o direito dos animais. “Dessa forma, busca-se mostrar que as vaquejadas são práticas ilegais e inconstitucionais, nas quais os animais são submetidos a abusos, crueldade e maus-tratos, realizadas sob o falso véu de manifestações das culturas populares, devendo ser coibidas com rigor pelo Poder Público e pela coletividade, conforme o disposto no art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal e demais leis ou atos legais de caráter ambiental”. Segue uma descrição da violência que essa prática impõe ao animal: Conforme parecer técnico emitido em 25 de julho de 1999 pela Dra. Irvênia Luiza de Santis Prada (apud LEITÃO, 2002, p. 23): “Ao perseguirem o bovino, os peões acabam por segurá-lo fortemente pela cauda (rabo), fazendo com que ele estanque e seja contido. A cauda dos animais é composta, em sua estrutura óssea, por uma seqüência de vértebras, chamadas coccígeas ou caudais, que se articulam umas com as outras. Nesse gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo, é muito provável que disto resulte luxação das vértebras, ou seja, perda da condição anatômica de contato de uma com a outra. Com essa ocorrência, existe a ruptura de ligamentos e de vasos sangüíneos, portanto, estabelecendo-se lesões traumáticas. Não deve ser rara a desinserção (arrancamento) da cauda, de sua conexão com o tronco. Como a porção caudal da coluna vertebral representa continuação dos outros segmentos da coluna vertebral, particularmente na região sacral, afecções que ocorrem primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, comprometendo inclusive a medula espinhal que se acha contida dentro do canal vertebral. Esses processos patológicos são muito dolorosos, dada a conexão da medula espinhal com as raízes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímulos nociceptivos (causadores de dor). Volto a repetir que além de dor física, os animais submetidos a esses procedimentos vivenciam sofrimento mental. (...) A estrutura dos eqüinos e bovinos é passível de lesões na ocorrência de quaisquer procedimentos violentos, bruscos e/ou agressivos, em coerência com a constituição de todos os corpos formados por matéria viva. Por outro lado, sendo o “cérebro”, o órgão de expressão da mente, a complexa configuração morfo-funcional que exibe em eqüinos e bovinos é indicativa da capacidade psíquica desses animais, de aliviar e interpretar as situações adversas a que são submetidos, disto resultando sofrimento. http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5922 em 09/08/2016.

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